A Lei Maria da Penha completou, em 7 de julho de 2024, sua maioridade legal. Desde que foi sancionada em 2006, a legislação representa um marco na luta contra a violência doméstica e familiar no Brasil. Criada para proteger as mulheres e punir agressores, ela transformou a forma como o Estado lida com crimes de gênero. Porém, ao mesmo tempo em que trouxe avanços significativos, também expôs desafios persistentes que, quase duas décadas depois, ainda exigem atenção urgente.
Ao longo desses 18 anos, a Lei Maria da Penha se consolidou como referência internacional, inspirando legislações em outros países. Contudo, a violência contra a mulher no Brasil continua em níveis alarmantes, com índices que revelam tanto a importância da lei quanto a necessidade de reforçar políticas públicas, educação e mecanismos de proteção.
RESUMO
Contexto histórico e criação da Lei Maria da Penha
A origem da Lei Maria da Penha remonta à história de Maria da Penha Maia Fernandes, uma biofarmacêutica cearense que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio cometidas pelo próprio marido, em 1983. O caso ganhou notoriedade pela impunidade e lentidão da justiça. Foram quase 20 anos até que o agressor fosse condenado e preso.
A repercussão internacional levou o Brasil a ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA por negligência e omissão. Como resposta, em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.340, batizada com o nome de Maria da Penha, como forma de homenagear sua luta e assegurar que outras mulheres não enfrentassem as mesmas barreiras.
Avanços garantidos pela Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha alterou profundamente o tratamento jurídico da violência doméstica no Brasil. Antes dela, muitos casos eram classificados como crimes de menor potencial ofensivo, punidos com cestas básicas ou multas. A nova legislação rompeu esse paradigma e trouxe mecanismos concretos para a prevenção, proteção e punição.
Criação de juizados especializados
Um dos pontos mais relevantes foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Esses órgãos judiciais especializados permitem que casos sejam julgados com mais celeridade e por profissionais capacitados para lidar com a complexidade da violência de gênero.
Medidas protetivas de urgência
Outro avanço fundamental foi a possibilidade de conceder medidas protetivas imediatas, como afastamento do agressor, proibição de contato e restrição de aproximação, sem necessidade de boletim de ocorrência prévio. Essa agilidade salva vidas e impede que a violência escale.
Ampliação do conceito de violência
A Lei Maria da Penha também definiu a violência doméstica de forma mais abrangente, contemplando cinco tipos: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Isso ampliou as formas de proteção e reconhecimento das múltiplas maneiras de agressão.
Campanhas de conscientização
A lei impulsionou campanhas educativas e de conscientização, incentivando o debate público e estimulando denúncias. A quebra do silêncio foi um dos efeitos mais visíveis, aumentando a confiança das vítimas no sistema.
Estatísticas recentes e cenário preocupante
Apesar de todos os avanços, a violência contra a mulher segue como um problema estrutural no Brasil. Os números de 2023 mostram que ainda há muito a ser feito.
- Feminicídios: foram registrados 1.463 casos, um aumento de 1,6% em relação a 2022. Isso significa, em média, quatro mulheres mortas por dia.
- Denúncias de violência: o Ligue 180 recebeu 114.848 denúncias, indicando maior procura por ajuda, mas também revelando a persistência do problema.
- Casos de estupro: 83.988 ocorrências, o que equivale a um estupro a cada seis minutos no país.
Esses dados demonstram que a Lei Maria da Penha, embora seja essencial, não consegue, sozinha, erradicar a violência sem que haja um conjunto robusto de políticas sociais, educacionais e de segurança pública.
Desafios persistentes após 18 anos

O principal desafio da Lei Maria da Penha hoje é a efetividade. Muitos municípios ainda não possuem estruturas adequadas para aplicar as medidas previstas. Faltam delegacias especializadas, profissionais capacitados e recursos para atendimento às vítimas.
Machismo e misoginia enraizados
A cultura machista, que ainda permeia grande parte da sociedade brasileira, é apontada como um dos maiores obstáculos. Muitos agressores não reconhecem seus atos como violência, e parte da população relativiza crimes de gênero.
Falta de integração de políticas públicas
A lei depende de uma rede articulada de serviços — saúde, segurança, assistência social e justiça. Sem essa integração, muitas vítimas ficam desamparadas, e medidas protetivas se tornam ineficazes.
Medidas protetivas previstas na lei
A Lei Maria da Penha estabelece um conjunto de medidas que podem ser aplicadas rapidamente para proteger a vítima e impedir a continuidade da violência.
Contra o agressor
- Afastamento do lar
- Proibição de aproximação e contato
- Restrição ou suspensão de visitas aos filhos
- Suspensão da posse ou porte de armas
Em favor da vítima
- Restituição de bens
- Concessão de pensão alimentícia provisória
- Proteção do patrimônio e bloqueio de bens
Essas ações podem ser solicitadas por meio da polícia, Ministério Público ou diretamente ao judiciário, e devem ser cumpridas imediatamente.
Importância dos juizados especializados
A criação de juizados especializados representa um avanço estratégico. Além de agilizar processos, eles oferecem atendimento multidisciplinar, com psicólogos, assistentes sociais e equipes treinadas para lidar com a vulnerabilidade das vítimas.
Impactos e transformações sociais
A Lei Maria da Penha trouxe mudanças não apenas no campo jurídico, mas também no comportamento social. A criminalização mais rigorosa da violência doméstica contribuiu para reduzir a impunidade e aumentar as denúncias.
Contudo, especialistas afirmam que o aumento das estatísticas não significa necessariamente mais violência, mas sim mais visibilidade e registros oficiais, graças à conscientização e à confiança na lei.
Canais de denúncia e apoio
Hoje, as vítimas contam com diversos canais para denunciar agressões:
- Ligue 180: atendimento gratuito e confidencial, 24 horas por dia.
- Disque 190: para casos de emergência com risco imediato.
- Delegacias Especializadas (DEAMs): unidades policiais voltadas ao atendimento da mulher.
- Aplicativos e plataformas online: como o Direitos Humanos Brasil, que facilita denúncias digitais.
Campanhas e sinais de socorro
Iniciativas como a Campanha Sinal Vermelho possibilitam que mulheres peçam ajuda discretamente, desenhando um “X” vermelho na palma da mão e mostrando-o em locais parceiros, como farmácias e órgãos públicos.
Reflexões sobre a maioridade da lei
Aos 18 anos, a Lei Maria da Penha simboliza um marco de resistência e avanço, mas também evidencia que a legislação por si só não muda a realidade sem mudanças culturais profundas. A educação para a igualdade de gênero e a conscientização social são peças-chave para o futuro.
A Lei Maria da Penha é uma conquista histórica para as mulheres brasileiras. Ela transformou a forma como o país enxerga e combate a violência doméstica, criando mecanismos efetivos de proteção. No entanto, a luta está longe do fim.
O Brasil ainda enfrenta índices alarmantes de feminicídio, estupro e agressões, exigindo que sociedade e Estado atuem de forma conjunta e permanente. Garantir a vida, dignidade e liberdade das mulheres é uma missão contínua, que precisa ser reforçada todos os dias.
Com informações da Agência Brasil