
Justiça do Trabalho condenou condomínio em São Paulo por discriminação de gênero ao obrigar funcionária a usar vestiário masculino com mictórios abertos e sem acesso ao banheiro feminino.
A decisão reconheceu discriminação de gênero, violação da dignidade e reforçou a importância de ambientes de trabalho respeitosos e adequados para todos, diante disso fixou uma indenização por dano moral
Uma decisão recente da Justiça do Trabalho de São Paulo reacendeu o debate sobre dignidade, igualdade de gênero e condições mínimas no ambiente laboral.
Em julgamento divulgado no início de dezembro de 2025, a 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) condenou um condomínio residencial ao pagamento de R$ 8 mil por danos morais a uma auxiliar de serviços gerais que, durante o contrato, foi obrigada a utilizar banheiro e vestiário masculinos, mesmo sendo a única mulher da equipe de limpeza.
O caso chamou atenção não apenas pelo valor da indenização, mas pelo reconhecimento explícito de que a situação ultrapassou qualquer limite de tolerabilidade, configurando tratamento discriminatório e violação direta à dignidade da trabalhadora.
Rotina de constrangimento no ambiente de trabalho
De acordo com os autos do processo, a auxiliar de serviços gerais integrava uma equipe formada por 15 a 20 trabalhadores do sexo masculino. Para realizar necessidades básicas, como trocar de roupa ou utilizar o sanitário, ela precisava atravessar diariamente um vestiário masculino em pleno uso, onde havia mictórios abertos e sem qualquer divisória ou porta.
Em diversas ocasiões, segundo o relato acolhido pela Justiça, a trabalhadora precisou aguardar que o local estivesse completamente vazio para conseguir se trocar ou usar o banheiro, o que gerava atrasos, desconforto e constante sensação de exposição.
O cenário se agravava pelo fato de existir um banheiro feminino em área administrativa do condomínio, ao qual a empregada não tinha autorização de acesso. Na prática, a única mulher da equipe foi direcionada a uma estrutura pensada exclusivamente para homens, sem qualquer adaptação que garantisse privacidade, segurança ou respeito à intimidade.
Negativa do empregador e fragilidade da defesa
Em sua defesa, o condomínio alegou que disponibilizava à trabalhadora um espaço reservado com tranca interna, destinado exclusivamente a ela. No entanto, a argumentação foi considerada genérica e insuficiente.
O empregador não explicou:
- Como se dava o trajeto até esse espaço reservado
- Se havia passagem obrigatória pelos mictórios
- Por que o acesso ao banheiro feminino administrativo era negado
Diante da ausência de impugnação específica sobre pontos centrais do relato, a justiça do trabalho condenou condomínio em São Paulo aplicando o artigo 341 do Código de Processo Civil, que estabelece a presunção relativa de veracidade dos fatos não contestados de forma detalhada.
Além disso, o conjunto probatório incluiu prova oral e material audiovisual, que confirmou a rotina descrita pela trabalhadora e demonstrou que o vestiário masculino estava em uso no momento da passagem.
Justiça reconhece discriminação e dano moral
Ao analisar o caso, a 13ª Turma do TRT-2 concluiu que a situação vivenciada pela auxiliar de serviços gerais não se tratava de mero desconforto, mas de grave constrangimento cotidiano, com impacto direto sobre sua dignidade e saúde emocional.
Para os desembargadores, a organização do ambiente violou princípios básicos do direito do trabalho, especialmente:
- O respeito à intimidade
- A proteção da dignidade da pessoa humana
- A vedação à discriminação de gênero
O acórdão destacou que a simples existência de um espaço fechado não era suficiente para afastar a ilicitude, pois o problema central estava no percurso imposto e na negação de acesso a instalações adequadas ao gênero da trabalhadora.
Aplicação da perspectiva de gênero no julgamento
Um ponto de destaque na decisão foi a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O instrumento orienta magistrados a analisar como práticas aparentemente neutras podem, na prática, aprofundar desigualdades estruturais.
No entendimento do colegiado, o caso evidenciou uma situação típica de vulnerabilidade:
- Mulher em minoria absoluta na equipe
- Dependência de estrutura pensada para homens
- Ausência de alternativas dignas para necessidades básicas
Essa combinação, segundo o TRT-2, reforçou um tratamento desigual e discriminatório, que não pode ser naturalizado sob o argumento de limitações estruturais ou conveniência administrativa.
Elementos da responsabilidade civil reconhecidos
A Justiça do Trabalho entendeu que estavam presentes todos os requisitos clássicos da responsabilidade civil:
1. Ato ilícito
Caracterizado pela organização inadequada dos sanitários e pela proibição de uso do banheiro feminino existente.
2. Nexo causal
Diretamente ligado ao sofrimento, à humilhação e ao constrangimento experimentados pela trabalhadora.
3. Dano moral
Materializado na exposição indevida, na perda da sensação de segurança e no abalo à dignidade pessoal.
Com base nesses elementos, foi fixada a indenização em R$ 8 mil, valor considerado proporcional à gravidade da conduta e adequado ao caráter pedagógico da condenação.
O que caracteriza dano moral no ambiente de trabalho
No âmbito trabalhista, o dano moral ocorre quando o empregador ultrapassa os limites do poder diretivo, atingindo a esfera íntima do empregado de forma relevante.
Não se trata de pequenos aborrecimentos do cotidiano, mas de situações que:
- Geram humilhação
- Provocam sofrimento psicológico
- Violam direitos fundamentais
No caso analisado, a Justiça foi enfática ao afirmar que transformar um ato básico como ir ao banheiro em uma experiência diária de constrangimento excede qualquer padrão de razoabilidade.
Impacto da decisão para empresas
A condenação reforça um alerta importante para condomínios residenciais, empresas terceirizadas e empregadores em geral: a estrutura física e as regras internas devem observar critérios mínimos de igualdade, segurança e respeito.
Entre as medidas preventivas estão:
- Disponibilizar sanitários adequados a todos os gêneros
- Garantir acesso igualitário a instalações existentes
- Revisar normas internas sob a ótica da dignidade humana
- Adequar ambientes quando há trabalhadores em minoria
A decisão também sinaliza que a Justiça do Trabalho tem adotado uma postura cada vez mais firme no combate a práticas discriminatórias, especialmente aquelas que atingem mulheres em ambientes historicamente masculinos.
Justiça do trabalho condenou condomínio em São Paulo, uma decisão com efeito pedagógico
Ao final do julgamento, o TRT-2 deixou claro que condenações dessa natureza não têm apenas função compensatória, mas também educativa. O objetivo é desestimular condutas semelhantes e incentivar empregadores a adotarem práticas mais inclusivas e respeitosas.
Casos como este demonstram que a falta de adaptação estrutural e a negligência com a dignidade do trabalhador podem gerar consequências jurídicas relevantes, além de impactos reputacionais.
A decisão reafirma um princípio fundamental: nenhuma atividade profissional pode justificar a violação da intimidade, da igualdade e do respeito à pessoa humana.
Situações como a vivida por essa trabalhadora deixam marcas que vão muito além do processo judicial. O constrangimento diário, a sensação de desrespeito e a perda da dignidade no ambiente de trabalho afetam diretamente a saúde emocional, muitas vezes de forma silenciosa. Para milhares de brasileiros, esse tipo de sofrimento acaba se transformando em ansiedade, depressão e até na necessidade de afastamento do emprego para tratamento.
Esse cenário preocupante ajuda a explicar por que os afastamentos por transtornos mentais atingiram números históricos no país tema abordado no artigo Afastamento por ansiedade e depressão bate quase meio milhão no Brasil: saiba seus direitos, que aprofunda o que a lei garante a quem precisa cuidar da saúde mental para seguir em frente.
Fonte: Trt2.jus
O que é dano moral no trabalho?
É quando a conduta do empregador causa humilhação, constrangimento, sofrimento psicológico ou violação da dignidade do trabalhador, indo além de simples aborrecimentos do dia a dia.
Precisa haver agressão ou ofensa direta?
Não. Situações repetidas de exposição, vergonha ou constrangimento já podem caracterizar dano moral, mesmo sem xingamentos ou violência física.
Se houver um espaço trancado, o problema deixa de existir?
Não necessariamente. Se o acesso até esse espaço expõe o trabalhador a situações constrangedoras, o ilícito permanece.
Que provas podem ser usadas em casos assim?
São aceitas, entre outras:
Testemunhas
Fotos e vídeos
Mensagens ou comunicações internas
Relatos consistentes do trabalhador
Falta de explicação clara do empregador
O valor da indenização é fixo?
Não. O juiz analisa:
Gravidade da conduta
Frequência do constrangimento
Impacto psicológico
Capacidade econômica do empregador
Função pedagógica da condenação



