Niède Guidon, a guardiã da Serra da Capivara e da Pré-História Brasileira, foi uma das maiores arqueólogas do Brasil e morreu com 92 anos, aos 4 de junho de 2025, em São Raimundo Nonato, Piauí. Sua vida foi dedicada à Serra da Capivara, um tesouro arqueológico que ela transformou em referência mundial.

Com mais de cinco décadas de trabalho, Niède Guidon desafiou teorias sobre o povoamento das Américas, fundou a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) e promoveu o desenvolvimento social e educacional no sertão piauiense. Este artigo celebra sua trajetória, impacto e legado, destacando como sua visão integrou ciência, cultura e preservação ambiental.

Quem Foi Niède Guidon?

Niède Guidon nasceu em Jaú, São Paulo, em 12 de março de 1933. Filha de pai francês e mãe brasileira, ela se formou em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP) em 1959 e concluiu seu doutorado em Pré-História pela Universidade de Paris em 1975.

Sua paixão pela arqueologia a levou ao Piauí nos anos 1960, após relatos sobre pinturas rupestres na região. A partir dos anos 1970, estabeleceu-se em São Raimundo Nonato, onde coordenou escavações que reescreveram a história da ocupação humana nas Américas.

Além de sua contribuição científica, Niède Guidon foi uma visionária. Ela criou instituições, articulou parcerias internacionais e investiu na educação local, deixando um legado que vai além dos sítios arqueológicos. Sua morte, confirmada pela administração do Parque Nacional da Serra da Capivara, marcou o fim de uma era, mas sua influência continua viva.

Primeiros Passos na Arqueologia

A carreira de Niède Guidon começou no Museu Paulista, onde atuou como professora. Sua mudança para a França nos anos 1960 abriu portas para o doutorado e a conexão com o Centre National de La Recherche Scientifique (CNRS). Foi nesse período que ela tomou conhecimento das riquezas arqueológicas do Piauí, decidindo dedicar sua vida à exploração e preservação da Serra da Capivara.

Niède Guidon e a Revolução nas Teorias do Povoamento

As pesquisas de Niède Guidon na Serra da Capivara desafiaram a narrativa tradicional sobre a chegada dos humanos às Américas. A teoria predominante apontava que os primeiros habitantes cruzaram o Estreito de Bering há cerca de 13 mil anos, vindos da Ásia. No entanto, as descobertas de Guidon sugeriram ocupações muito mais antigas, com vestígios datados de 60 mil a 100 mil anos atrás.

Uma Nova Perspectiva

Os achados de Niède Guidon, como ferramentas líticas e fogueiras, levantaram debates intensos. Embora controversos, esses dados sugeriram que outras rotas migratórias, possivelmente do continente africano pelo Atlântico, poderiam ter ocorrido. A análise de esqueletos e pinturas rupestres revelou traços morfológicos distintos, reforçando a hipótese de diversidade nas origens dos povos americanos.

Impacto no Meio Acadêmico

As teorias de Niède Guidon colocaram o Brasil no centro das discussões globais sobre a pré-história. Suas publicações atraíram tanto apoio quanto críticas, mas sua persistência em defender os dados da Serra da Capivara ampliou o escopo das pesquisas arqueológicas no continente. Sua coragem em questionar paradigmas estabelecidos inspirou gerações de cientistas.

A Transformação da Serra da Capivara

Niède Guidon não apenas revelou os segredos da Serra da Capivara, mas também a transformou em um polo de ciência e cultura. Em 1979, ela contribuiu para a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, que hoje abriga mais de mil sítios arqueológicos. Em 1991, o parque foi reconhecido como Patrimônio Mundial da Unesco, consolidando sua relevância global.

Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM)

A criação da FUMDHAM por Niède Guidon foi um marco na institucionalização da pesquisa. A fundação organizou escavações, promoveu a conservação dos sítios e desenvolveu programas educativos. Sob sua liderança, a Serra da Capivara tornou-se um laboratório vivo para o estudo da pré-história sul-americana.

Infraestrutura e Educação

Niède Guidon articulou parcerias com universidades brasileiras e estrangeiras, resultando na criação de cursos de arqueologia na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Esses programas formaram profissionais locais, garantindo a continuidade das pesquisas. A infraestrutura do parque, incluindo trilhas e centros de visitantes, também reflete seu compromisso com o acesso público ao patrimônio.

Niède Guidon e o Desenvolvimento Social

Além da ciência, Niède Guidon priorizou o bem-estar das comunidades do sertão piauiense. Sua abordagem integrada uniu pesquisa, educação e inclusão social, transformando a realidade local.

Empoderamento Feminino

Uma das iniciativas mais marcantes de Niède Guidon foi a contratação majoritária de mulheres para trabalhar no parque e na FUMDHAM. Essa decisão fortaleceu a economia local e formou lideranças femininas, muitas das quais se tornaram referências em gestão de áreas protegidas. O impacto foi profundo, promovendo igualdade de gênero em uma região historicamente marcada por desigualdades.

Educação e Capacitação

Programas educacionais liderados por Niède Guidon capacitaram jovens e adultos, oferecendo cursos técnicos e oportunidades de trabalho no turismo e na pesquisa. Essas ações valorizaram as tradições culturais do Piauí, conectando a comunidade ao patrimônio arqueológico e natural da região.

Preservação Ambiental: O Compromisso de Niède Guidon

A caatinga, bioma único da Serra da Capivara, também esteve no centro do trabalho de Niède Guidon. Ela alertou sobre os riscos de desmatamento, queimadas e atividades ilegais que ameaçavam a biodiversidade local. Sua defesa da flora e fauna resultou em medidas de proteção que beneficiaram espécies nativas e fortaleceram a identidade ambiental da região.

Homenagem à Fauna

Em 2024, uma nova espécie de ave, batizada de Sakesphoroides niedeguidonae, foi descoberta na Serra da Capivara. O nome homenageia Niède Guidon e sua dedicação à preservação da fauna. A ave, com seu canto característico, simboliza o impacto duradouro de seu trabalho na conservação.

Reconhecimentos e Legado de Niède Guidon

Ao longo de sua carreira, Niède Guidon acumulou prêmios e honrarias. Em 2024, ela recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, concedido pelo CNPq e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Outros reconhecimentos incluem a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, o Prêmio Príncipe Klaus (Holanda), o Green Prize (Paliber) e o título de Chevalier de La Légion d’Honneur (França).

Honrarias Acadêmicas

Niède Guidon foi nomeada Doutora Honoris Causa pela Univasf e pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Como membro titular da Academia Brasileira de Ciências, ela participou ativamente de eventos científicos, consolidando sua liderança na arqueologia e na preservação cultural.

Repercussão de Sua Morte

A morte de Niède Guidon gerou comoção nacional. O governo do Piauí decretou três dias de luto oficial, e instituições como o Museu Nacional e o CNPq destacaram sua contribuição inestimável. A escritora Adriana Abujamra, autora de uma biografia sobre Guidon, descreveu-a como uma revolucionária que uniu ciência, desenvolvimento regional e valorização das mulheres.

O Futuro da Serra da Capivara

O legado de Niède Guidon está gravado no Parque Nacional da Serra da Capivara, nas instituições que fundou e nos profissionais que formou. A FUMDHAM e os cursos de arqueologia da Univasf garantem a continuidade de suas pesquisas, enquanto o turismo sustentável na região mantém viva a conexão com o público.

Um Modelo de Integração

A visão de Niède Guidon mostrou que ciência, cultura e desenvolvimento social podem andar juntos. Sua abordagem holística serve como modelo para outros projetos de preservação e pesquisa, inspirando iniciativas no Brasil e no mundo.

Desafios e Oportunidades

Apesar dos avanços, a Serra da Capivara enfrenta desafios, como a necessidade de mais recursos para conservação e a proteção contra atividades ilegais. O trabalho iniciado por Niède Guidon depende agora de novas gerações, que têm a missão de honrar sua dedicação e expandir seu impacto.

Niède Guidon, Uma Vida de Impacto

Niède Guidon deixou um legado que transcende a arqueologia. Sua coragem em desafiar teorias, sua dedicação à Serra da Capivara e seu compromisso com as pessoas do Piauí transformaram a região em um símbolo de resistência cultural e científica. O Parque Nacional, a FUMDHAM e as comunidades empoderadas por suas iniciativas são testemunhos de uma vida dedicada ao conhecimento e à preservação.

Ao olharmos para as pinturas rupestres da Serra da Capivara, vemos não apenas o passado da humanidade, mas também o reflexo do trabalho incansável de Niède Guidon. Sua história continuará inspirando cientistas, educadores e defensores do patrimônio por gerações.

A importância da arqueologia

A arqueologia é fundamental para compreender a história da humanidade, revelando culturas, modos de vida e eventos do passado por meio de vestígios materiais em todo planeta. Ela conecta o presente ao passado, preservando identidades culturais e patrimônios. No Brasil, estudos como os de Niède Guidon na Serra da Capivara desafiam teorias globais, como o povoamento das Américas, e promovem inclusão social ao engajar comunidades locais. Além de enriquecer o conhecimento, a arqueologia fomenta o turismo sustentável e a conservação ambiental, protegendo sítios e biomas. É uma ponte entre gerações, garantindo que a história humana seja entendida e valorizada.

Com informações da Agência Brasil